Nem só de amor e da festa é feito um casamento, mas isso nós já sabemos. Dentre as inúmeras decisões que devem ser tomadas ao dar este passo tão importante e especial em nossas vidas, questões jurídicas relevantes devem ser observadas.
Escolher o regime de bens que regerá a união costuma ser um tema muito delicado, mas não pode ser tratado com descaso. Claro que ninguém se casa pensando em separar, mas vivemos tempos em que tudo que nos cerca é tão “descartável”, que ao invés de consertarmos, acabamos substituindo. Essa premissa é perceptível inclusive nos relacionamentos.
Falar sobre o regime de bens não é sinônimo de interesse ou ganância. Dividir tudo ou uma parte dos bens é uma decisão que afeta consideravelmente toda a construção financeira e patrimonial de um casal. E, convenhamos: quando as coisas vão mal, a tendência é que se priorize os filhos e a si próprio, não mais aquilo que um dia já foi chamado de “nós”.
Dito isso, vamos falar brevemente sobre os regimes de bens e como a legislação brasileira trata o assunto.
Primeiramente, esclareço que a falta de escolha não significa escolha nenhuma. A legislação brasileira aplicará sempre a comunhão parcial de bens quando não houver um regime pactuado entre o casal, que, juridicamente falando, é o regime mais equilibrado para os envolvidos.
União estável também entra nessa conversa! Aliás, em termos de regime de bens e direitos, a união estável só não altera seu estado civil, que continuará sendo solteiro. Então fique atento a este conteúdo.
Regime de Comunhão Universal:
O artigo 1.667 do Código Civil descreve este regime como sendo aquele em que bens presentes e futuros e suas dívidas passivas se comunicam. Resumindo: Todos os bens que estiverem em nome de um ou do outro serão divididos entre ambos, exceto as dívidas, em regra.
Como toda boa regra, há exceções. Logo, nem tudo é dividido e o Código Civil traz de forma expressa as circunstâncias em que bens não serão divididos, em seu artigo 1.668. Dentre as exceções destacam-se:
Bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade ou sub-rogados em seu lugar. Significa dizer que se um bem foi herdado ou doado sob a condição expressa de que não poderia se comunicar com os bens do casal. Não adianta vender e comprar outro, trocar, pois a cláusula acompanhará os bens subsequentes.
As dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum. As dívidas anteriores ao matrimônio são de responsabilidade de quem as contraiu, exceto as dívidas da festa e do casamento em si, ou aquelas aproveitadas por ambos, como as dívidas para aquisição de casa, móveis, veículos.
Não comunicarão também itens de uso pessoal, instrumentos de profissão, salário, pensões e similares.
Regime de Separação de bens:
Eis aqui um regime em que cada cônjuge/companheiro tem seu patrimônio e a única coisa que dividem são as despesas da vida em casal, na proporção de seus rendimentos de trabalho e bens.
Este regime está delineado nos artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil, sem delongas, já que os bens não se comunicam.
A escolha deste regime advém de um acordo entre as partes, mas a lei traz algumas situações em que o regime será obrigatório, que estão previstas no artigo 1.641 do Código Civil: I) das pessoas que se casarem sem observar as causas suspensivas da celebração do casamento; II) um dos cônjuges tiver mais de 70 (setenta) anos; III) todos que dependam de suprimento judicial para poder se casar.
Como as leis precisam se amoldar à realidade de nossa sociedade, é pacífico o entendimento de que os bens adquiridos de forma onerosa ao longo da união regida pela separação obrigatória em lei serão divididos. O assunto já foi dirimido pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 377.
Com isso, tem-se uma flexibilização na aplicação da lei que iguala a separação obrigatória à comunhão parcial de bens. Afinal, um regime de separação obrigatória tolhe o direito de escolha que todos os nubentes possuem, então, nada mais razoável que dar àqueles que não gozam de tal faculdade uma alternativa justa.
Regime de Comunhão Parcial de Bens:
Considerado o regime mais justo e aplicável sempre que não houver declaração expressa de vontade, a comunhão parcial de bens é tratada no Código Civil em seus artigos 1.658 e seguintes. Em síntese, todos os bens adquiridos de forma onerosa na constância da união, serão divididos.
Importantíssimo fazer uma ressalva sobre a aquisição onerosa: entende-se que é fruto do trabalho do casal, ainda que um contribua mais, outro menos, ou a mulher que não trabalha para poder cuidar da casa e dos filhos. É a soma de esforços para que a vida familiar se equilibre, e não apenas dinheiro.
Também não importa se o bem está registrado em nome de apenas um dos cônjuges/companheiros. Tal observação é importante principalmente quando falamos em união estável!
Os mesmos óbices de comunicabilidade já mencionados na comunhão universal se aplicam aqui. A diferença é que os bens adquiridos antes da união seguem sendo de propriedade daquele que já os possuía.
O problema aqui é quando um dos nubentes se desfaz de um bem que era de sua propriedade e que não comunicava com o casamento, para auxiliar na construção do patrimônio familiar. Nesses casos é preciso que a divisão seja proporcional ao investimento e não mais igualitária.
As dívidas anteriores ao casamento não se comunicam e aqui não comunicarão também as dívidas contraídas para a festa de casamento e seus preparativos.
Ponto digno de destaque é que as obrigações que decorrerem de atos ilícitos são de responsabilidade daquele que as causou, exceto se houve aproveitamento do casal. O exemplo clássico é a lavagem de dinheiro. E aqui concluímos que a confiança também deve ser partilhada de forma absoluta, pois pouco adianta alegar desconhecimento da origem dos bens.
Regime de Participação Final nos Aquestos:
Pouquíssimo conhecido e aderido pelos nubentes, é um regime de prática pouco simplificada. Foi uma tentativa de remodelar a queridinha comunhão parcial, mas não deu muito certo!
Basicamente, o artigo 1.672 do Código Civil dispõe que: No regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
A partilha dos bens adquiridos de forma onerosa durante o vínculo marital é feita de forma igualitária, independente do investimento feito por cada parte. Esta divisão pode dar azo a polêmicas, pois os bens anteriores não se comunicam, mas se um dos cônjuges substituir um de seus bens particulares em prol de um bem familiar, não terá uma divisão proporcional ao seu investimento ao final.
Tal regime pode ser vantajoso quando envolver famílias com patrimônio muito expressivo, com necessidade de preservá-lo ou administrá-lo, pois não há necessidade de autorização do cônjuge/companheiro para a venda de bens particulares. Detalhe importante: os bens são de propriedade daquele cujo nome constar no registro, portanto se o imóvel familiar, a título de exemplo, estiver em nome de apenas um dos cônjuges e este fizer a venda sem autorização, é possível uma compensação na partilha, mas é preciso comprovar a propriedade conjunta.
É complexo pois há poucos precedentes na jurisprudência e uma discussão probatória pode levar anos. A título de vantagem, as dívidas advindas após o casamento, exceto aquelas feitas em proveito do casal, são de responsabilidade de quem as contrair; se um dos cônjuges solver a dívida do outro, poderá ser compensado na divisão final.
É um regime que tem peculiaridades, pois há uma prestação de contas mais criteriosa, que não se verifica no curso da dissolução da união nos regimes de bens usuais, em que o casal objetiva construir um patrimônio em conjunto. A previsão legal de que a divisão de bens na participação final nos aquestos será igualitária também acaba por vincular os cônjuges a investirem de forma equilibrada para que não haja controvérsia ao final. Na prática não funciona tão bem assim.
Posso criar um regime próprio? Pode!
Mas antes de tomar qualquer decisão, contate um advogado de sua confiança para orientá-lo (a) de forma adequada e auxiliá-lo (a) na elaboração das condições que melhor atendam as necessidades do casal.
Sobre a autora:
Danielly Gobo é advogada, inscrita na OAB/PR n.º 109.739. Formada pelo Centro Universitário Faculdade Assis Gurgacz, Especialista em Direito Penal, Processo Penal, Segurança Pública e Atividade Policial, atuou como assessora jurídica por seis anos na Secretaria de Segurança Pública do Paraná, lotada na Polícia Civil. Atualmente é sócia do escritório Cogo & Gobo Advocacia e Assessoria Jurídica e advoga nas áreas criminal e cível.
Fonte: https://cogoegobo0987.jusbrasil.com.br/artigos/1445773935/quero-me-casar-mas-nao-sei-qual-regime-de-bens-escolher