Nº DE VISUALIZAÇÕES DESDE 2009

domingo, 3 de abril de 2022

A aplicação das medidas de segurança sob o crivo do STJ


Pessoas inimputáveis que cometem crimes sofrem sanções penais na forma de medidas de segurança. Embora muitas vezes se mencione que o inimputável não é punido, a medida de segurança – adotada com os objetivos de tratamento e de proteção da sociedade – também pode significar restrição da liberdade, tanto que a sua aplicação, em lugar da pena reservada aos imputáveis condenados, resulta de uma decisão judicial que a doutrina chama de absolvição imprópria (o réu é absolvido, por ser inimputável, mas, reconhecido como autor do crime, será internado em hospital psiquiátrico).

A inimputabilidade decorre de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto que faz com que o agente não tenha consciência da ilicitude de seus atos. A Classificação Internacional de Doenças (CID) lista os transtornos mentais que, para a Justiça, podem caracterizar as pessoas como inimputáveis ou semi-imputáveis.

Na aplicação e na execução das medidas, há uma série de especificidades a serem observadas pelos operadores do direito. Esta reportagem especial aborda os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema.

Medida de segurança é espécie de sanção penal

Código Penal prevê, no artigo 96, duas medidas de segurança aplicáveis a quem praticou alguma conduta criminosa, mas não pode cumprir pena, por ser entendido como inimputável ou semi-imputável.

São consideradas medidas de segurança:

I – Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

II – Sujeição a tratamento ambulatorial.

A medida de segurança é uma espécie de sanção penal, gênero no qual também se inclui a pena. No Brasil, foi o Código Penal de 1940 que incorporou os critérios atualmente considerados para o reconhecimento da inimputabilidade, mas, no princípio, a medida de segurança era aplicada em concomitância com a pena.

Em 1969, as medidas de segurança foram detalhadas no Decreto-Lei 1.004, incluindo a distinção entre medidas detentivas e não detentivas, pessoais ou patrimoniais. Popularizou-se na época a expressão "manicômio judiciário", que designava uma espécie de hospital-prisão para abrigar as pessoas sancionadas por medidas de segurança.

Razoabilidade e proporcionalidade na imposição da medida

Em 2019, a Terceira Seção dirimiu dúvidas sobre a interpretação a ser dada ao artigo 97 do Código Penal. De um lado, havia o entendimento de que, em se tratando de crime punível com reclusão, não seria possível a substituição da internação em hospital de custódia por tratamento ambulatorial – posição que era dominante na Quinta Turma.

A Sexta Turma, por sua vez, proclamava a tese de que, por não se vincular a medida de segurança à gravidade do delito, mas à periculosidade do agente, o magistrado poderia optar por tratamento mais apropriado ao inimputável, em respeito aos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Prevaleceu o entendimento da Sexta Turma. Segundo o ministro Ribeiro Dantas – relator dos embargos de divergência –, a doutrina majoritária no Brasil considerava injusta a interpretação da norma que padronizava a aplicação da sanção penal, impondo ao réu, independentemente de sua periculosidade, medida de segurança de internação em hospital de custódia, em razão de o fato previsto como crime ser punível com reclusão.

"Ao meu sentir, para uma melhor exegese do artigo 97 do CP, à luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável", explicou o magistrado.

No caso concreto, que tramitou sob segredo de Justiça, o colegiado rejeitou os embargos de divergência do Ministério Público Federal que buscavam a aplicação da norma segundo a interpretação mais rígida.

A necessidade de revisão periódica das medidas de segurança

Uma resolução conjunta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) estabeleceu, em 2009, mecanismos de revisão periódica das medidas de segurança, prisões provisórias e internações de adolescentes.

Em outubro de 2021, a Segunda Turma atendeu a um pedido da Defensoria Pública de São Paulo (DPSP) e determinou que a corregedoria dos presídios de Sorocaba (SP) fornecesse à instituição a relação dos processos da comarca em que houvesse a aplicação de medidas de segurança contra pessoas com deficiência, informando os respectivos dados cadastrais e os locais de cumprimento das medidas ( RMS 48.922).

O ministro Og Fernandes, relator do recurso da DPSP, afirmou que, passados mais de dez anos da edição da resolução, aparentemente ainda não existia em Sorocaba uma relação das medidas de segurança em cumprimento – situação que, para ele, não poderia perdurar.

"Não restam dúvidas: desde 2009, está o Judiciário obrigado, por seu órgão central de planejamento e coordenação, a registrar e revisar tais penas com periodicidade mínima anual. Daí o suporte à provocação da Defensoria, que apenas visa obrigar o Judiciário a dar efetividade à política pública que desenhou para si próprio", declarou o magistrado ao dar provimento ao recurso em mandado de segurança.

Em seu voto, Og Fernandes destacou que a Convenção de Nova York sobre Pessoas com Deficiência ( Decreto 6.949/2009) impõe aos Estados-membros a coleta de dados para promoção de políticas públicas adequadas a essa população, nas quais se inclui a proteção judicial no âmbito das medidas de segurança.

Medida de segurança não tem execução provisória

Outro entendimento do STJ sobre o tema diz respeito à impossibilidade da execução provisória da medida de segurança.

No julgamento do HC 226.014, em 2012, na Quinta Turma, a ministra Laurita Vaz afirmou não ser cabível no ordenamento jurídico a execução provisória da medida de segurança. Ela invocou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que naquela época – como agora – considerava inviável a execução provisória da pena, existindo apenas a figura da prisão cautelar, que deve ser devidamente justificada.

No caso analisado pelos ministros, um homem acusado de homicídio, reconhecido como inimputável, teve aplicada contra si a medida de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico pelo prazo mínimo de dois anos. O Ministério Público requereu o início do cumprimento da sanção antes do trânsito em julgado da decisão.

"Nem se diga que, por se tratar, no caso, de medida de segurança, não seria necessário aguardar o trânsito em julgado. Ora, a medida de segurança se insere no gênero sanção penal, do qual figura como espécie, ao lado da pena. Se assim o é, não é cabível no ordenamento jurídico a execução provisória da medida de segurança, à semelhança do que ocorre com a pena aplicada aos imputáveis", explicou a relatora.

Laurita Vaz destacou a regra do artigo 171 da Lei de Execução Penal, segundo a qual a execução tem início após a expedição da competente guia – o que só se mostra possível depois de passada em julgado a decisão.

Medida de segurança não pode ser prorrogada de forma indefinida

De acordo com a Sexta Turma, extrapolado o prazo de cumprimento previsto para a pena privativa de liberdade, deve cessar a intervenção do Estado na esfera penal, independentemente da cessação da periculosidade do paciente.

O entendimento foi exposto na análise de um caso em que, no curso da execução da pena privativa de liberdade pelos crimes de falsa identidade, roubo circunstanciado e furtos qualificados, instaurou-se incidente para verificar a ocorrência de doença mental.

O parecer atestou a doença, e, na sequência, em setembro de 2002, as penas privativas de liberdade foram convertidas na medida de segurança de internação, pelo prazo mínimo de um ano. Em dezembro de 2007, novo parecer foi juntado aos autos, apontando a necessidade de prorrogação da medida de segurança, o que extrapolaria o prazo máximo da pena original, que tinha fim em julho de 2008.

A defesa contestou a medida e pleiteou a liberação do inimputável em julho de 2008. No entanto, nesta data, o juízo da vara de execuções criminais prorrogou a medida de segurança por mais um ano.

Segundo a relatora do caso, ministra Maria Thereza de Assis Moura, a jurisprudência do STJ entende que, em se tratando de medida de segurança aplicada para substituir a pena corporal, a sua duração está limitada ao tempo que resta para o cumprimento da pena estabelecida na sentença condenatória, em respeito à coisa julgada.

"Assim, uma vez extrapolado o prazo de cumprimento da pena privativa de liberdade, deve cessar a intervenção do Estado na esfera penal, configurando constrangimento ilegal a manutenção da medida de segurança, independentemente da cessação da periculosidade do paciente", explicou a magistrada. Ela destacou que, nessas hipóteses, cabe ao Ministério Público, se entender necessário, buscar a interdição, desde que estritamente necessária à proteção do sancionado ou da sociedade ( HC 130.162).

Sistema vicariante impede adoção cumulativa com pena

Na análise do HC 275.635, a Sexta Turma enfrentou uma discussão sobre o cumprimento cumulativo de penas privativas de liberdade e medida de segurança. Segundo a Defensoria Pública, durante o cumprimento de uma das penas, o paciente foi absolvido nos autos de outra ação penal por ser considerado inimputável (absolvição imprópria), sendo-lhe aplicada a medida de segurança de internação.

No fim dessa medida, o juízo da Vara de Execuções Criminais determinou a desinternação condicional e o cumprimento das penas privativas de liberdade remanescentes. Para a Defensoria, a decisão gerou constrangimento ilegal, uma vez que as demais penas também deveriam ter sido convertidas em medidas de segurança.

Ao analisar o caso, o ministro relator, Nefi Cordeiro (hoje aposentado), explicou que eram três condenações além da medida de segurança. Ele lembrou que a reforma penal de 1984, ao estabelecer o sistema vicariante, eliminou a possibilidade de aplicação cumulativa de pena e medida de segurança para os inimputáveis e semi-imputáveis.

No entanto, Nefi Cordeiro destacou que a situação tratada nos autos era diferente da que foi abolida na reforma de 1984, não se verificando violação do sistema vicariante. "Conforme exposto nos autos, em apenas um dos feitos o paciente foi absolvido impropriamente, sendo-lhe imposta uma medida de segurança; nos demais processos, as penas privativas de liberdade não foram objeto de conversão", destacou o magistrado. São sanções diferentes para fatos distintos, segundo ele.

"Evidencia-se que cada reprimenda imposta corresponde a um fato distinto, portanto, não há que se falar ou sequer que se pensar em ofensa ao sistema vicariante, porquanto a medida de segurança refere-se a um fato específico, e a aplicação das penas privativas de liberdade correlacionam-se, respectivamente, a outros fatos e delitos", explicou o ministro ao não conhecer do pedido de habeas corpus.

Continue lendo:

https://ponto-juridico.jusbrasil.com.br/noticias/1444498586/a-aplicacao-das-medidas-de-seguranca-sob-o-crivo-do-stj

LOLLAPALOOZA: a responsabilidade civil do festival diante do cancelamento do show do Foo Fighters

Nos dias 25, 26 e 27 de março de 2022, ocorreu o festival Lollapalooza, em São Paulo. O Lolla, como é apelidado, é um festival de música alternativa que acontece anualmente. A edição recém ocorrida, antes de finalmente acontecer, foi remarcada por três vezes. Inicialmente, estava agendada para acontecer nos dias 3, 4 e 5 de abril de 2020. Diante da pandemia desencadeada pelo COVID-19, o evento foi transferido para os dias 4, 5 e 6 de dezembro de 2020. Posteriormente, foi reagendado para os dias 10, 11 e 12 de setembro de 2021. Finalmente, aconteceu agora no final de março do ano corrente.


Desde as primeiras remarcações por causa da pandemia, o evento se viu envolvido em diversas discussões acerca de sua responsabilidade de viabilizar aos consumidores que haviam adquirido os ingressos o reembolso do valor pago pelo bilhete. O festival se esquivou da devolução dos valores pagos amparado na medida provisória 948/2020, que dispensou as empresas de turismo, cultura e estabelecimentos comerciais de fazerem o reembolso imediato de serviços cancelados em decorrência da pandemia.

Mais tarde, a medida provisória foi sancionada pelo presidente da República, tornando-se a lei 14.046/2020, assegurando às empresas a possibilidade de oferecer remarcação do evento ou dar crédito para os consumidores, que deveriam usar o serviço até um ano após o fim do decreto da situação de calamidade pública, que terminou em 31 de dezembro de 2020.

Já em março de 2021, a medida provisória 1.036/2021 postergou o prazo de remarcação de eventos e do uso de crédito pelos clientes até dezembro de 2022. Não bastasse, na sequência, em fevereiro de 2022, a medida provisória 1.101/2022, prorrogou o prazo até dezembro de 2023. A conclusão é que, ressalvados os casos isolados de decisões judiciais obrigando o festival a realizar a devolução do valor pago, é possível afirmar que o Lollapalooza escapou de, diante das remarcações, viabilizar a devolução dos valores pagos pelos ingressos.

Com o avanço da vacinação e a mudança no cenário pandêmico, o festival, finalmente, foi marcado para acontecer em março de 2022, anunciando em seu lineup diversas bandas nacionais e internacionais. Aqui, destacando o anúncio da banda americana Foo Fighters.

Para compreender os aspectos acerca da responsabilidade civil do Lollapalooza, é importante entender, primeiro, que banda é essa. Foo Fighters é uma banda de rock internacionalmente conhecida e tida como uma das maiores bandas do gênero em atividade. O grupo, comumente lota estádios e ocupa o status de headline (principal artista) de grandes festivais de músicas espalhados ao redor do mundo. Aqui no Brasil, tocou em 2001, 2012, 2015, 2018, 2019 e faria seu próximo show no país, justamente, no Lollapalooza. Em todas as passagens por nossa terra a banda fez apresentações para grandes públicos, o que demonstra o apreço dos brasileiros pelo grupo.

Em se falando do Lollapalooza 2022, a oferta era uma apresentação que corresponderia a um show de duas horas, no principal palco do festival, no domingo, último dia do evento. Depois de tantas remarcações, o festival queria entregar um evento que se encerraria com uma verdadeira com chave de ouro! A expectativa para a apresentação era a melhor possível.

O festival começou acontecer e tudo parecia ocorrer bem, até que o imprevisível aconteceu: Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters, faleceu na noite do dia 25/03/2022, no quarto de um hotel, em Bogotá, na Colômbia.

Hawkins, foi o baterista da banda por mais de duas décadas. Naturalmente, diante da morte precoce e inesperada do membro do grupo, o Foo Fighters anunciou o cancelamento do show no Lollapalooza. Mais uma vez, o festival se via dentro de um problema.

Com o cancelamento anunciado as vésperas do show, a organização do evento se viu impossibilitada de escalar qualquer outro grupo capaz de, minimamente, substituir com dignidade o enérgico grupo de rock enlutado. A organização, então, apresentou ao público uma alternativa deveras exótica: entregou uma espécie de tributo ao Taylor Hawkins e ao Foo Fighters. O tributo foi capitaneado pelo rapper brasileiro Emicida e contou com cantores de rap, hip-hop, hardcore e rock nacional. O público, que esperava assistir uma explosiva apresentação de rock orquestrada pelo Foo Fighters, assistiu, na verdade, shows de Drik Barbosa, Bivolt, KL Jay, Ice Blue, DJ Nyack, Criolo, Mano Brown e Ice Blue, do Racionais MC’s, Djonga, Rael, Planet Hemp e Ego Kill Talent. Não menosprezando os artistas que se apresentaram, mas a substituição foi pífia.

Previsivelmente, o tal tributo não agradou a todos e, dentre outras dúvidas, ecoou: diante do ocorrido, é possível buscar a devolução do valor pago nos ingressos?

Em pesquisa rápida no Reclame Aqui, conhecido portal de denúncias e diálogos entre consumidores e os fornecedores, observamos relatos dos insatisfeitos que buscam um diálogo com a organização do festival visando o reembolso do valor pago pelo ticket.

De antemão, é fácil afirmar que o festival responde pela falha na prestação do serviço. Entretanto, definir como será essa responsabilidade não é um tanto quanto simples e proporciona uma boa reflexão sobre a responsabilidade civil do fornecedor do serviço à luz do Código de Defesa do Consumidor.

É fato que a relação entre o Lollapalooza e aquele que adquiriu o ingresso para o festival se apresenta como relação de consumo. De um lado, o festival, prestando um serviço de entretenimento; do outro, o consumidor do serviço de entretenimento. Nesse contexto, à luz do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, temos a responsabilidade objetiva do festival em responder pela falha na prestação do serviço, qual seja, o cancelamento do show, destacando a letra da lei:

Código de Defesa do Consumidor - Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

De certo, o parágrafo 3º do supracitado artigo isenta, em tese, o fornecedor do serviço da responsabilidade, caso ele comprove que a falha na prestação por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Entretanto, quando se observa a teoria do risco, todo aquele que fornece um serviço sempre responderá por eventuais danos, independentemente da comprovação de dolo ou culpa, pois a prestação do serviço é, naturalmente, ligada ao próprio risco da atividade. Em se falando de um festival de música, o cancelamento de um show é um risco inerente ao próprio serviço em si.

Diante do lançado, é possível afirmar que, independente dos motivos que levaram ao cancelamento do show, o Lollapalooza responde pelos danos ocorridos. Seguramente é possível afirmar que independente de ter sido a morte do Taylor o vetor para o cancelamento do show, o Lollapalooza responde pela falha na prestação do serviço.

Então, um imbróglio nasce quando pensamos acerca da devolução do valor ingresso em decorrência na falha na prestação do serviço, pois o artigo 20 da legislação consumerista faculta ao consumidor a restituição da quantia paga, corrigida monetariamente ou o abatimento proporcional do preço pago no serviço, vejamos:

Código de Defesa do Consumidor - Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.

Ocorre que, quando do anúncio do cancelamento do show, em momento algum o festival facultou aos consumidores a devolução do valor pago pelo ingresso. Por si só, a postura adotada pelo festival viola a normativa consumerista, pois caberia aos organizadores viabilizar ao público, de imediato, a possibilidade de restituição do valor pago diante do cancelamento. Em matemática simples, o ideal seria viabilizar àqueles que não queriam ir ao último dia de evento a devolução do valor pago no ingresso.

Não bastasse, é interessante analisar a situação sob outra ótica: se tratava de um grande festival, com uma gama extensa de artistas escalados no lineup, embora tenha ocorrido uma falha na prestação do serviço (a não apresentação da banda principal), os demais shows escalados para o dia aconteceram. Aquele que comprou o ingresso para o último dia, embora a expectativa de assistir a banda principal, ainda pôde usufruir das outras apresentações. Então, é sensato se falar no abatimento proporcional do preço pago no ingresso. Porém, nasce um outro problema: como se alcançar um critério para calcular o custo, proporcionalmente falando, do cancelamento do show do Foo Fighters diante do preço total do ingresso?

Como citado alhures, Foo Fighters é uma banda americana internacionalmente conhecida. Ela não se apresentou e, para ‘substituí-la’ foi escalado um tributo composto por artistas locais que, com respeito aos artistas, não chegam perto da banda de rock anunciada. É fato que a substituição não foi proporcional. Então, como calcular o custo do cancelamento do show dentro do valor global do ingresso? Não é, nem será tarefa fácil.

A título de conclusão, é possível afirmar que aqueles que se recusaram ir ao festival no último dia por causa do cancelamento da banda principal, poderão pedir a devolução do valor pago pelo o ingresso daquele dia, corrigido monetariamente, além de buscar ainda indenização por dano moral diante do ocorrido e da inércia dos organizadores em resolverem administrativamente o problema.

Sob a perspectiva dos que foram ao festival, mesmo assistindo aos demais shows que ocorreram, há a possibilidade, também, de buscarem a restituição proporcional do valor do ingresso. Acontece que em cada caso concreto, observada às expectativas pessoais de cada um acerca do show principal, é que deverá ser mensurado quanto o cancelamento da apresentação do Foo Fighters afetará no valor global do ingresso. Sendo possível, também, pleitear um dano moral diante da frustração.

É previsível, pois, que a matéria irá provocar o judiciário. Este, por sua vez, terá a difícil missão de julgar a necessidade de reembolso total do valor do ingresso ou, o que parece mais difícil ainda, abater, proporcionalmente falando, o custo do cancelamento do show da banda principal em cada caso concreto. É certo que sob as duas óticas, sem dúvidas, há a responsabilidade por parte do festival.

Causas excludentes de responsabilidade civil.

As causas de excludentes de responsabilidade civil são definidas como, situações em que a partir do momento que ocorre o ataque de um dos elementos ou pressupostos da responsabilidade, se rompe o nexo de causalidade. Não gerando direito em regra a uma indenização por parte de quem sofreu o dano, em razão de uma determinada situação.

As causas que excluem a responsabilidade civil, são elas:

1. Estado de necessidade - art. 188 do Código Civil, em seu inciso II.

Como exemplo prático Carlos Roberto Gonçalves nos dá o seguinte:

Se um motorista, por exemplo, atirar o seu veículo contra um muro, derrubando-o, para não atropelar uma criança que, inesperadamente, surgiu-lhe à frente, o seu ato, embora lícito e mesmo nobilíssimo, não o exonera de pagar a reparação do muro. Com efeito, o art. 929 do Código Civil estatui que, se a pessoa lesada, ou o dono da coisa (o dono do muro) destruída ou deteriorada "não forem culpados do perigo", terão direito de ser indenizados. No entanto, o evento ocorreu por culpa in vigilando do pai da criança, que é o responsável por sua conduta. Desse modo, embora tenha de pagar o conserto do muro, o motorista terá ação regressiva contra o pai do menor, para se ressarcir das despesas efetuadas. (GONÇALVES, 2012, pg. 427).

2. Legítima defesa- art. 188 do Código Civil em seu inciso I.

É o ato de agir de forma proporcional para repelir uma injusta agressão que poderá ser no formato atual ou iminente. Caso o agente venha a atingir terceiro inocente, este terá que indenizá-lo, porém, cabe a ação de regresso contra o agente que era seu alvo, conforme preconiza os artigos 929 e 930 do Código Civil.

Quando este ato ilícito praticado é considerado lícito pela legislação, afasta-se a responsabilidade civil e, via de consequência, o dever de indenizar. Ex: Se durante festa de carnaval, um sujeito bêbado vem correndo com uma faca na direção de alguém, e essa pessoa para se proteger joga uma garrafa no agressor, causando-lhe hemorragia, esse dano ainda que grave, não será indenizado por quem o provocou, pois agiu para se defender de forma legítima.

A legítima defesa portanto, se praticada contra o agressor não gera para esse direito à indenização.

3. Exercício regular do direito- art. 188 do Código Civil em seu inciso I.

Na violência esportiva, todos os participantes têm conhecimento que ao praticar determinado esporte podem se ferir ou se machucar. Sendo assim, o praticante de artes marciais que fere moderadamente seu parceiro de luta, não será obrigado a indenizá-lo e principalmente, não haverá responsabilização penal por isso.

4. Estrito cumprimento do dever legal.

Não se pode responsabilizar por um dano quem tem o dever legal de causá-lo. O estrito cumprimento do dever legal, parte do pressuposto de que mesmo que tenha ocorrido o dano, este não poderá gerar pretensão indenizatória. Como exemplo a doutrina cita, “o policial que se utiliza de arma de choque (teaser) para realizar a prisão de um indivíduo que oferece resistência”, tal ato possui previsão legal no art. 292 do Código de Processo Penal.

Sendo assim, a autoridade que faz uso da arma de choque na situação elencada acima, não comete abuso de autoridade e tortura, estão apenas no estrito cumprimento do dever legal.

5. Culpa exclusiva da vítima.

Para melhor entendimento, se uma pessoa com a intenção de cometer suicídio se lançar contra um veículo em movimento, neste caso o dono do veículo não possui qualquer responsabilidade neste atropelamento, pois seu veículo foi um simples instrumento, afastando assim o nexo causal em relação ao motorista.

Caso a culpa não for exclusiva da vítima, poderá ocorrer a concorrência de culpa, o que na esfera cível representa diminuição da indenização que será pago pelo agente, conforme preconiza o Código Civil em seu art. 945.

6. Fato de terceiro.

Como exemplo prático, foi julgado pela 6ª Câmara do Tribunal Cível do RJ a ap. Cível 776/91, na qual a esposa de um ciclista ingressou com uma ação de indenização contra uma empresa de transporte público na qual um de seus ônibus atropelou e matou o ciclista, com a alegação de que o motorista invadiu a contramão vitimando assim o ciclista.

Porém, a empresa conseguiu demonstrar que o ciclista sofreu a queda em razão de um buraco que havia na pista, sendo o responsável pela queda do ciclista na frente do ônibus. O buraco em questão foi deixado aberto por uma empresa que presta serviços para a prefeitura, a responsabilidade foi atribuída a essa empresa com fundamento principal de “fato de terceiro”.

As causas enumeradas de 1 a 4 são as hipóteses que excluem a ilicitude, já os duas últimos excluem o nexo causal do ato.

Sou obrigado a liberar meu empregado em dias de jogo do Brasil na Copa do Mundo?

Na última sexta-feira ficamos sabendo a data das partidas da nossa Seleção Brasileira de futebol masculino na Copa do Mundo 2022.

E é claro que não faltaram memes sobre o fato de que, nesta primeira fase, todos os jogos da Seleção serão em dias úteis e, caso a gente se classifique em primeiro lugar do grupo, o Brasil continuará jogando em dias de semana durante toda a fase eliminatória, com exceção da final.

Mas e aí? Será que isso realmente obriga a empresa a dispensar o seu empregado no horário dos jogos?

A resposta é NÃO.

Não há nenhuma obrigação legal nesse sentido, sendo que uma eventual liberação (com ou sem exigência de compensação posterior) ficará a critério do próprio empregador. Ou seja, a empresa tem absoluta autonomia para decidir se seus empregados vão trabalhar ou não.

Então, cuidado! Não há nada em nosso ordenamento jurídico que possa garantir ao empregado o direito de paralisar suas atividades ou se ausentar do trabalho durante os dias de jogo sem a correspondente perda salarial, pois será uma falta injustificada. O período ou o dia de ausência poderão ser descontados e o empregado até mesmo sofrer a imposição de penalidades, como uma advertência disciplinar.

Fonte: 

https://karlathayde.jusbrasil.com.br/artigos/1444491528/sou-obrigado-a-liberar-meu-empregado-em-dias-de-jogo-do-brasil-na-copa-do-mundo

Ser autista e estar na faculdade de Direito

Para algumas pessoas pode ser novidade, mas autistas estão em todas as áreas e podem sim trabalhar. Meu caso é de autismo leve o que antigamente era chamado de Asperger. Lembro de uma vez, assistir um vídeo que um psiquiatra dizia que autistas não tinham como hiperfoco pessoas. Leigo engano meu caro leitor! Desde de crianças um dos meus assuntos de interesse é o comportamento. Ja assistiu Atypical? Poisé, eu sou o Sam, mas ao invés de observar pinguins eu observo pessoas. Por dois anos trabalhei com um psicologo, com ele aprendi a ser terapeuta. Tive sucesso na minha área de atuação pois todo autista sabe muuuuito sobre aquilo que é de seu interesse. Desenvolvi mais de 20 palestras e 40 cursos de desenvolvimento pessoal. Pode parecer estranho, mas sim, autistas leves podem sim aprender qualquer coisa que uma pessoa autista faz. Ate aprendi a ler pessoas!

Continue lendo:

https://kerolinedesenvolvimento14400.jusbrasil.com.br/artigos/1444491979/ser-autista-e-estar-na-faculdade-de-direito

STJ 2022 - Gravidade abstrata do Delito - Ilegalidade da prisão preventiva

HABEAS CORPUS Nº 731156 - RJ (2022/0084508-0) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PACIENTE : GABRIEL FERNANDES DE PAIVA (PRESO) INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em benefício de Gabriel Fernandes de Paiva, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que denegou a ordem ali impetrada ( Habeas Corpus n. 0000230-71.2022.8.19.0000), mantendo a decisão do Juízo de Direito da 20ª Vara Criminal da comarca da Capital/RJ, que homologou a prisão em flagrante e a converteu em preventiva, pela suposta prática do delito de roubo circunstanciado (Autos n. 0326314-67.2021.8.19.0001). Neste writ, sustenta a defesa ausência de fundamentação idônea a justificar a preventiva, já que imposta com base em elementos abstratos. Pleiteia a concessão da liminar a fim de determinar a substituição da prisão preventiva pelas seguintes medidas cautelares: comparecimento periódico em juízo, proibição de se ausentar do distrito de culpa por mais de 7 (sete) dias, proibição de contato/aproximação da apontada vítima e recolhimento noturno (fl. 8). No mérito, pede a concessão da ordem no sentido de que seja revogada a prisão preventiva imposta ao paciente (fl. 8). É o relatório. Busca a impetrante a concessão de tutela de urgência, a fim de que seja substituída a prisão preventiva do paciente por medidas cautelares diversas. O deferimento de liminar em habeas corpus é medida de caráter excepcional, cabível apenas quando a decisão impugnada estiver eivada de ilegalidade flagrante, demonstrada de plano. In casu, em juízo de cognição sumária, afigura-se viável o acolhimento da pretensão, uma vez que o decreto de prisão não indicou nenhum elemento concreto que evidencie a real necessidade da prisão do paciente. Confira-se a decisão do Juiz (fl. 35 - grifo nosso): [...] No caso concreto, os fatos narrados, em especial o emprego de faca, revelam a gravidade concreta do delito e a alta periculosidade do agente para a integridade física da coletividade. Assim, ao menos neste momento inicial, verifica-se que a liberdade do custodiado representa perigo à sociedade, sendo insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão. Necessária, portanto, a prisão cautelar como garantia da ordem pública. Além disso, a liberdade do custodiado pode gerar mais temor à vítima, que, já abalada pelo crime, ainda deverá comparecer em juízo para depor e realizar o ato de reconhecimento de forma isenta e livre de intimidações, tornando necessária a prisão cautelar por conveniência da instrução criminal, a fim de tutelar a produção da prova e não comprometer a busca pela verdade. Saliente-se que o fato de o custodiado não ostentar anotações anteriores em sua FAC por si só não impede a decretação de sua prisão preventiva, devendo o magistrado atentar também para as circunstâncias do crime e sua gravidade em concreto. Vale lembrar que a necessidade de garantir a ordem pública não se restringe a prevenir a reiteração de fatos criminosos, mas também se verifica para resguardar o meio social e a credibilidade da justiça considerando a gravidade concreta do crime e sua repercussão social. Por fim, verifica-se que não veio aos autos, até o presente momento, qualquer comprovação de vínculo do preso com o distrito da culpa, tornando a prisão necessária para assegurar a aplicação da lei penal. Ante o exposto, com fundamento nos arts. 310, inciso II312 e 313 do CPP, ACOLHO PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA CONVERTER A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA. [...] Conforme reiteradamente decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, a custódia cautelar não pode ser imposta com base, essencialmente, na gravidade abstrata do delito, assentada a motivação em elementos inerentes ao próprio tipo penal. Cumpre ao Magistrado vincular seu decisum a fatores reais de cautelaridade, o que não ocorreu na espécie. Diz-se, acima, que os fatos narrados, em especial o emprego de faca, revelam a gravidade concreta do delito e a alta periculosidade do agente para a integridade física da coletividade (fl. 35).

Continue lendo:

https://cgcordeiro.jusbrasil.com.br/noticias/1444487295/stj-2022-gravidade-abstrata-do-delito-ilegalidade-da-prisao-preventiva

Princípio da não autoincriminação

Este princípio tem por objetivo garantir ao preso, investigado, ou a qualquer outra pessoa que seja abordada por alguma autoridade Policial, Juiz, o direito de permanecer calado, não estando obrigado a falar ou se autoincriminar.


O princípio da não autoincriminação foi matéria analisada e reconhecida como repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal:

“Tema: 1185 - Obrigatoriedade de informação do direito ao silêncio ao preso, no momento da abordagem policial, sob pena de ilicitude da prova, tendo em vista os princípios da não auto-incriminação e do devido processo legal.”

Fonte:

https://jflucca.jusbrasil.com.br/artigos/1444489760/principio-da-nao-autoincriminacao