A cobrança de imposto de renda sobre juros de mora foi considerada pelo Supremo Tribunal Federal como indevida
O CONCEITO DE RENDA
A nossa Constituição Federal de 1988, traz em seu artigo 153, III, que a União pode cobrar imposto decorrente do acréscimo patrimonial derivado de renda e proventos de qualquer natureza.
Assim diz:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
III - renda e proventos de qualquer natureza;
A final de contas, o que podemos entender como renda? Vamos analisar?
Para os especialistas que se aprofundam no estudo do direito tributário, renda pode ser entendida da seguinte maneira.
Eduardo Sabbag:
“A hipótese de incidência do IR é o acréscimo patrimonial por aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, ou por proventos de qualquer natureza. A renda é a expressão jurídica, utilizável pela fenomenologia tributária para indicar o acréscimo de patrimônio. A “renda” expressa conteúdo de riqueza e revela incremento, acréscimo.”
Melhor dizendo, renda, nada mais é do que qualquer valor econômico acrescido em nosso patrimônio econômico resultando do nosso esforço de trabalho ou por qualquer outro aspecto em geral, ainda que ilícito.
Ocorrendo isso, acontecerá o que no direito ganha-se o nome de “hipótese de incidência tributária ou fato gerador”, o que dará direito ao fisco em cobrar o imposto de renda.
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimentos oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo
INAPLICABILIDADE DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE JUROS DE MORA ( RE 855.091 - TEMA 808)
Recentemente foi levado ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, um Recurso Extraordinário discutindo a legalidade da cobrança do imposto de renda sobre juros de mora decorrente de verbas trabalhistas.
O debate originou-se após o trâmite de uma ação que discutia a restituição de valores relativos ao imposto de renda que incidiu sobre juros moratórios acrescidos a verbas remuneratórias reconhecidas em reclamatória trabalhista.
Analisando a matéria, a Suprema Corte partiu da justificativa de que, os juros de mora devidos em razão do atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função, possuem a finalidade de recompor as perdas (danos emergentes).
Esse atraso faz com que o credor busque meios alternativos ou mesmo ilícitos, que atraem juros, multas e outros passivos ou outras despesas ou mesmo preços mais elevados, para atender às suas necessidades básicas e às de sua família.
O Ministro Relator, Dias Toffoli, justificou em seu voto que, a Constituição Federal de 1988 não recepcionou, ou seja, não considerou constitucional a parte do parágrafo único do artigo 16 da Lei n.º 4.506/64, que determina a incidência do imposto de renda sobre juros de mora decorrentes de atraso no pagamento das remunerações previstas no artigo (advindas de exercício de empregos, cargos ou funções), concluindo que o art. 153, III, da Constituição Federal de 1988 não permite que o imposto de renda incida sobre verbas que não acresçam o patrimônio do credor.
A razão pela qual os ministros chegaram a esse entendimento se deu pelo fato de que a incidência do imposto de renda pressupõe acréscimo patrimonial e que as parcelas de natureza indenizatória visam apenas a recompor o patrimônio, e não a aumentá-lo. Diante disso, concluíram que juros moratórios são indenizações e que a lei presume a existência de perda para o credor no caso de mora.
Diante de sua natureza indenizatória, os juros de mora podem até mesmo ser tratados como danos morais, segundo entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim estabelece:
Súmula 498 - Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais.
Portanto, o pagamento de juros moratórios tem a única função de reparar o prejuízo causado pelo devedor ao patrimônio do credor, melhor dizendo, o artigo 153, III da nossa Constituição Federal não permite que o imposto de renda incida sobre verbas que não acresçam o patrimônio do credor.
Os juros de mora ingressam no patrimônio do credor, não para acrescer suas economias, mas para recompor o prejuízo causado pelo atraso no recebimento de alguma verba remuneratória pelo exercício de emprego, cargo ou função.
Imagine a seguinte situação, o dinheiro recebido através do exercício de emprego, cargo ou função, possui natureza alimentar. É com ele que as pessoas organizam suas finanças, suprindo suas próprias necessidades e as de sua família, especialmente com moradia, alimentação, educação, saúde, higiene, transporte, etc. Com o atraso no pagamento do salário, faz com que o credor busque meios alternativos ou mesmo heterodoxos (ilegais), que atraem juros, multas e outros passivos ou outras despesas ou mesmo preços mais elevados, para atender às suas necessidades básicas e às de sua família.
Conclui-se, portanto, que, o precedente formado pelo STF, no sentido de que “Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função.” criou-se a possibilidade de afastar a cobrança de imposto de renda sobre os juros de mora daquelas pessoas que se enquadrem na situação mencionada no julgamento do recurso, ou seja, aqueles que sofreram, estão sofrendo ou presumem que irão sofrer a incidência do imposto sobre verbas moratórias a serem recebidas judicialmente.
Sabbag, Eduardo. Direito tributário essencial / Eduardo Sabbag. – 7. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 855.091-RS. Recorrente: União. Recorrido: Carlos Machado. Relator: Dias Tofolli. Plenário, Sessão Virtual de 5.3.2021 a 12.3.2021. Lex: Jurisprudência do STF. DJe-064. Divulgação 07-04-2021. Publicação 08-04-2021.
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