Com grande repercussão para a prática, a Lei n. 8.009/1990 consagra regras específicas quanto à proteção do bem de família legal, prevendo o seu art. 1º que “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na lei”. Trata-se de importante norma de ordem pública que protege pela impenhorabilidade tanto a família quanto a pessoa humana, notadamente o seu direito fundamental à moradia, previsto no art. 6º da Constituição Federal de 1988.
Sendo norma cogente ou de ordem pública, as exceções à impenhorabilidade do bem de família legal seriam apenas as previstas no rol taxativo ou numerus clausus do seu art. 3º, envolvendo as seguintes hipóteses: a) pelo titular do crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos decorrentes do contrato, o que está justificado pelo fato de a dívida ter origem na própria existência da coisa; b) pelo credor de pensão alimentícia, seja ela decorrente de alimentos convencionais, legais – de Direito de Família – ou indenizatórios – nos termos do art. 948, inc. II, do CC –, o que se fundamenta na subsistência dos respectivos credores; c) para a cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidos em relação ao imóvel familiar, presentes nesta exceção obrigações propter rem ou ambulatórias, o que inclui as dívidas de condomínio, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal ( RE n. 439.003/SP, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 06.02.2007); d) para a execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, sempre no interesse de ambos ou de sua família, tão somente (STJ, EAREsp. n. 848.498/PR, Segunda Seção, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25.04.2018, DJe 07.06.2018); e) no caso de o imóvel ter sido adquirido como produto de crime ou para a execução de sentença penal condenatória de ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; e f) por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação de imóvel urbano, exceção que foi introduzida pelo art. 82 da Lei n. 8.245/1991 e que não estava originalmente na Lei n. 8.009/1990.
A última previsão de quebra da impenhorabilidade tem sido debatida de forma intensa por doutrina e jurisprudência desde o surgimento do texto legal, sendo forte o argumento de sua inconstitucionalidade, o que ainda me convence. Na primeira vez que a discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal, no ano de 2005, o Ministro Carlos Velloso proferiu decisão monocrática, reconhecendo que "o direito à moradia, estabelecido no art. 6º, C.F., é um direito fundamental de 2ª geração – direito social que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000". Assim, "o bem de família – a moradia do homem e sua família – justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental. Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3º, feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo do inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000” (STF, RE n. 352.940/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 25.04.2005).
No meu entender, o principal argumento pela inconstitucionalidade da regra em estudo está associado à lesão ao princípio da igualdade material ou isonomia, retirado do art. 5º, caput, da Constituição da Republica, seja qual for a modalidade de locação, residencial ou não. Isso porque, reconhecida a sua penhorabilidade, o fiador perde o bem de família, enquanto o locatário, que é o devedor principal da relação jurídica, não.
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