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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

NÃO é crime avisar que está acontecendo uma blitz

Quem nunca viu no seu grupo de WhatsApp da família, dos vizinhos ou de notícias da cidade alguém avisando que a polícia está “dando blitz” em certa região. É uma prática comum há tempos.

Ocorre que em virtude disso, algumas pessoas passaram a querer criminalizar essa conduta, com fundamento no artigo 265 do Código Penal.

O tipo penal diz:

Art. 265 – Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Parágrafo único – Aumentar-se-á a pena de 1/3 (um terço) até a metade, se o dano ocorrer em virtude de subtração de material essencial ao funcionamento dos serviços.

Uma leitura desatenta do dispositivo acima pode levar a, erroneamente, interpretar que sim, há um crime de quem avisa que está ocorrendo uma operação policial, qual seja, a blitz. Ledo engano.

O Direito Penal é composto de alguns princípios que são o seu sustentáculo teórico e dogmático, que fundamentam e viabilizam a sua aplicação, de forma estrita e limitada, pelo Estado.

Neste caso, podemos citar os princípios da Legalidade e da Taxatividade e, consequentemente, a Vedação da Analogia in Malam Partem

O princípio da Legalidade, previsto no art.  do Código Penal e no art. , XXXIX, é expresso e diz que não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem prévia cominação legal.

Já o princípio da Taxatividade estabelece que a lei deve descrever a conduta delituosa de forma taxativa, clara, categórica e determinada, de modo que se não permita leis vagas e imprecisas, vedando, em última análise, uma interpretação extensiva do que diz a norma jurídica.

Em razão disso, por conseguinte, chegamos na vedação da Analogia in Malam Partem. Pois, tendo em vista que a lei deve ser cristalina e objetiva, não é permitido que se faça uma interpretação extensiva da norma penal para prejudicar o réu.

À luz dos princípios acima expostos, façamos uma reflexão.

Ora, se o não há um tipo penal que preveja a infração penal, não podemos falar em crime, sob pena de violação completa do princípio da legalidade, o maior anteparo do cidadão em face do Estado.

Ademais, ainda que seja invocado o artigo 265, supramencionado, ele não é um tipo penal que preveja de forma expressa e específica - entenda, taxativa - a conduta daquele que avisa sobre a ocorrência de uma blitz policial. Interpretá-lo de forma a ampliar a sua incidência, inevitavelmente, implicaria em uma analogia in malam partem da lei penal.

Portanto, para que possamos entender o artigo 265 como uma forma de criminalizar a conduta de quem avisa a realização de uma blitz policial, será necessário, antes, a violação sistemática dos princípios do Direito Penal.

Mas ainda que seja tolerada tal violação, a blitz policial sequer pode ser subsumida ao dispositivo normativo do artigo 265, pois ele abarca somente os serviços de utilidade pública. Para que assim sejam considerados, é imperativo que haja um oferecimento regular e constante do serviço, o que é diametralmente oposto do caráter eventual e esporádico da blitz.

Todavia, se ignorarmos toda essa violação dos princípios do direito, bem como a sua evidente e notória atipicidade formal, por fim, faço menção ao alerta da doutrina acerca da manifesta desproporcionalidade que seria impor uma sanção de 01 a 05 anos, ao indivíduo que alertasse sobre a ocorrência de uma blitz. Seria razoável admitir que uma pessoa que comunicou a existência de uma blitz possa ser condenada a uma pena maior do que a de um furtador ou de um estelionatário, que são condenados a uma pena máxima de até 04 anos?

Ao que me parece, a busca pela criminalização dessa conduta é permeada por um debate claramente moral. Todavia, não cabe ao Direito Penal realizar uma análise se determinada conduta é maculada de imoralidade ou não.

Aos amigos policiais, peço desculpas, mas não é crime avisar que está acontecendo uma blitz. E espero ter esclarecido essa questão, de forma técnica, somente pautando minha argumentação em alguns princípios que regem e norteiam o Direito Penal.

Querem criminalizar uma conduta? Esperem que o legislativo crie uma lei específica para isso. É uma questão simples, se não há lei anterior certa, taxativa e específica, não há crime.


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