I – NATUREZA JURÍDICA E ASPECTOS PROCESSUAIS
A ação de petição de herança é considerada pela doutrina como uma ação real, semelhante à ação reivindicatória, por meio da qual o herdeiro, baseado na condição hereditária, promove a recuperação da posse dos bens da herança. É ação real de natureza executiva.
A Ação de Petição de Herança possui dupla finalidade: a primeira é o reconhecimento da qualidade de herdeiro; a segunda é a restituição dos bens hereditários. Logicamente, se findado o prazo utilizado pelos julgadores, ineficaz seria a referida ação, haja vista que a finalidade secundária, recém exposta, jamais poderá ser cumprida.
Luigi Ferri (Commentario del códice civile, 1970, pág. 200) dizia que, ao contrário da ação reivindicatória e ainda das ações possessórias, a ação de petição de herança é ação universal, embora seja discutível se apenas os bens materiais poderão ser objeto da ação, ou se poderia sê-lo a universalidade da herança, compreendida aí também os bens imateriais.
A ação pressupõe que o herdeiro, alegando tal qualidade, acione o possuidor dos bens da herança, para obter a respectiva posse deles. Se a causa petendi, por exemplo, um contrato firmado pelo de cujus de que lhe advenha a posse, certamente, seria incabível a petição de herança: no caso, estar-se-ia pedindo fundado no negócio jurídico, não com base do direito hereditário.
Na lição de Ovídio Baptista da Silva (Curso de processo civil, volume II, 1990, pág. 231), segundo a doutrina milenar, formada a partir do direito romano, a petição de herança tanto pode ser proposta contra aquele que possua bens da herança, dizendo-se herdeiro (pro herede) quanto poderá sê-lo igualmente contra o possuidor sem título (pro possessore).
Ainda aduziu Ovídio Baptista que é controvertida a questão da legitimidade passiva para a petição de herança. Quando o possuidor de bens hereditários, citado como réu, comparece ao processo, dizendo-se herdeiro, o problema é facilmente solucionado, no sentido do cabimento da ação. Quando, no entanto, o demandado, ao responder à demanda, não controverte a respeito da qualidade de herdeiro do autor, sem, todavia, indicar uma causa específica que legitime sua posse, os escritores divergem, entendendo uns que, em tal caso, a petição de herança transforma-se em reivindicatória em virtude da espécie de contestação eventualmente oposta pelo réu, o que poderia recomendar que o autor promovesse a petição em cumulação sucessiva eventual com a reivindicatória. Ou o demandado invoca a condição de herdeiro para justificar a sua posse (possessor pro herede), alegando, por exemplo, a existência do testamento em seu favor ou contesta a qualidade de herdeiro do autor, sem todavia atribuir à sua posse, ou a si próprio, a condição hereditária.
Max Kaser (Derecho romano privado, tradução da 5ª edição alemã, 1968, § 75, I, 3) ensinou igualmente que a ação deveria ser rejeitada, se o réu, na contestação, invocasse algum título singular legitimador da posse.
Ainda acentuou Max Kaser (Direito privado romano, Fundação Calouste Gulbenkian, 1992, pág.409) que a hereditatis petitio serve para a proteção do direito sucessório civil (D.5,3; C. 3, 31). È uma actio in rem, muito semelhante à rei vindicatio: com ela o heres exige a declaração do seu direito sucessório e a entrega da herança. Diferentemente da rei vindicatio a hereditatis petitio é uma ação universal, que compreende toda a herança. Observa-se, segundo ele, que a herança nem sempre se compõe apenas de coisas corpóreas, mas pode consistir integral ou parcialmente em direitos, em especial créditos.
A hereditatis petitio (como actio in rem) no direito antigo dirigia-se apenas contra o que "possui" todos ou alguns bens singulares da herança. Desde que a herança não consista exclusivamente em bens corporais, este requisito atenua-se frequentes vezes.
É certo que Justiniano afastou as dúvidas quando a legitimação passiva do possuidor fictício, isto é do não-possuidor que simula posse ou a abandona dolosamente.
No direito romano, como em todas as ações in rem, também na hereditatis petitio o demandado só de modo indireto é forçado pelo pretor a ser parte da ação. Se se recusar a ser parte, em especial a colaborar na litis contestatio, a hereditatis petitio não se realiza, mas o pretor dá ao autor o interdictum quam hereditatem (restitutório).
Observe-se que o objeto do que se inclui na hereditatis petitio abrange tudo o que o demandado obteve da herança.
No sistema processual romano, ensinou Max Kaser (obra citada, pág. 412) que "depois da litis contestatio, como na rei vindicatio, o demandado responde por dolo e culpa; mas, excepcionalmente tem de colocar o autor na situação em que estaria se a herança (que ao tempo da litis contestatio está em poder do demandado) já nesse momento lhe tivesse sido entregue".
Pontes de Miranda (Tratado das ações, tomo VII, § 48, 2) reputou irrelevante o fato de ter sido anterior à morte do “de cujus” o início da posse ou não.
Segundo uns, a posse do réu, para legitimar a petição de herança, deverá ser posterior à morte do autor da herança, pois se o réu já possuía o bem antes da morte do “de cujus”, não se pode dizer que a respectiva adprehensio tenha sido de um bem hereditário, condição para o cabimento desta ação como disse Schlensinger. Mas, outros, ao contrário, reputam irrelevante o fato de ter sido anterior à morte do “de cujus” o início da posse, ou não, como se lê de Pontes de Miranda (Tratado das ações, tomo VII, pág. 48,2).
Não cabe ao autor da ação de petição de herança qualquer ônus probatório quanto à propriedade do bem reclamado, de modo que a ação somente pudesse abranger os bens de propriedade do “de cujus”. O que lhe cabe provar é sua condição de herdeiro e a circunstância de haver o “de cujus” exercido posse sobre o bem reclamado na ação. Pode o herdeiro, através da ação de petição de herança, reclamar a posse do prédio de que o “de cujus” fora simples inquilino, se o demandado dele se apossara depois de aberta a concessão. Sendo assim a ação de restituição funda-se, portanto, na hereditariedade da coisa reclamada, como ensinou Schlensinger, citado por Ovídio Baptista (obra citada, pág. 233).
Mas Schlensinger, no entanto, entendia que o fato de o réu possuir a coisa pro herede ou pro possessore, é elemento constitutivo da ação, de modo que a prova desse pressuposto opera o autor, pois do contrário – a transferência para o demandado do ônus da prova da legitimidade de seu título, resolver-se-ia na abolição do princípio tradicional de que melhor condicio possidentis, segundo o qual (nas demais ações) é assegurada ao possuidor a vantagem de impor a quem pretenda a restituição da posse, a prova do próprio direito de restituição, assim como a prova da ilegitimidade da posse do demandado. Assim, como informou ainda Ovídio Baptista da Silva, na petição da herança, a adotar-se a solução inversa, como afirmou Schlensinger, “a posse dos bens hereditários assentar-se-ia no pressuposto exatamente o contráro, ou seja, ter-se-ia em princípio, como ilegítima a posse, até que o demandado provasse a legitimidade do seu título”.
Para Ovídio Baptista, Schlensinger não teria razão ao insurgir-se contra a inversão do ônus da prova, pois esse expediente técnico é comum.
A ação de petição da herança pode vir cumulada a outra ação, como por exemplo, a ação de nulidade do testamento ou do inventário.
Questão controvertida, como se observa da doutrina, é saber até que ponto poderá ir direito do herdeiro que exerce a petição da herança contra o herdeiro aparente, se este de boa fé, ou perante terceiro de boa fé, alienou o bem hereditário. Se a alienação fora a título gratuito entende-se que a restituição alcança o terceiro, se a alienação tivera como causa negócio jurídico oneroso, caberá ao herdeiro, vencedor na petição de herança, exigir do herdeiro aparente a transferência do que ele houver percebido com a alienação.
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