Em 99% dos casos de prisão em flagrante relacionados às hipóteses da lei de drogas, minha recomendação é a de silêncio em Delegacia Policial, mesmo que o detido (a) seja real e concretamente inocente.
Primeiro, se o imputado sofreu violações de direito ou se sente muito injustiçado, ele precisa estar estar muito seguro, emocionalmente sóbrio, com perfeita dicção silábica e com psicológico intacto para falar perante uma autoridade policial, porque – acreditem – ele pode se prejudicar.
Aliás, situações referentes à perturbação do domicílio ou à busca pessoal dentro de automóvel podem ser as mais complicadas. Podemos imaginar uma história com a seguinte versão narrada pelo criminalizado: “A droga estava em outro quarto de minha propriedade, aonde eu hospedava provisoriamente um conhecido de um amigo”.
Imaginem a “confusão” que pode ser forçada em cima desse termo, principalmente sendo conhecida a plurenuclearidade do tipo contido no art. 33 da Lei 11.343/2006... "guardar", "ter em depósito" etc (nesse ponto, a teoria cognitiva do dolo cai como uma luva para o Poder Punitivo).
Definitivamente, o silêncio não se articula com a culpa.
Vamos às razões do silêncio em sede policial como posicionamento estratégico. Pelo menos, algumas:
- Na investigação preliminar, composta por atos administrativos próprios e prescindível à ação penal, são recolhidos elementos de informação para a Denúncia. Esses elementos de informação constroem a Justa Causa da Ação Penal Pública Incondicionada. Após o recebimento da Denúncia, os autos de inquérito deveriam ser desentranhados do processo e eliminados [1], e a prova seria o produto do contraditório e da ampla defesa realizados sobre os elementos acusatórios e defensivos juntados pelas partes, perante um Juiz de Direito Penal. No entanto, há uma subversão anti-democrática, e elementos inquisitoriais acabam sendo aproveitados pelo juiz. Neste sentido, o art. 155 do CPP:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Observamos que a ideia de "livre apreciação da prova" e a expressão "exclusivamente" contaminam a adequação constitucional da norma, tornando o regime acusatório, neste ponto, híbrido.
Então, qual o sentido de antecipar um elemento de prova passível de ser julgado equivocado pela defesa, no momento do processo?
- Na maioria dos episódios em que realizado o Auto de Prisão em Flagrante, não houve sequer tempo da defesa técnica ser contatada, ou, muitas vezes, esse direito foi suprimido do conduzido. Aliás, grande parte das prisões pré-cautelares carrega um combo de ilegalidades: (i) revista pessoal sem fundada suspeita, (ii) violação domiciliar fundamentada em “denúncia anônima”, (iii) conservação de material apreendido sem lacre com protocolo, (iv) termo de declaração sem aviso de miranda etc. Infelizmente, vigora uma ideologia não recepcionada constitucionalmente, e pretensiosamente civilista, segundo a qual as nulidades em regra seriam relativas, de tal azar que violências contra direitos poderiam ser convoladas por ato subsequente supostamente esclarecedor à pretensão punitiva. Ademais, ainda reverbera a ideia de dever de comprovação do prejuízo, pela defesa.
Por essa razão, também não vale antecipar qualquer versão, antes do início do exercício dialético a partir da Denúncia, já que há uma predisposição ideológica de convalidação de ato inválido por meio do depoimento do investigado.
[1] Vide, por exemplo, a inteligência da redação do art. 3º- C, § 3º, do CPP.
(O ato de escrita e o processo de criação são experiências humanas ímpares. Embora o avanço tecnológico seja obviamente benéfico à nossa classe, a IA ainda não alcança o grau de sensibilidade, a profundidade do sentido da linguagem, e a cirurgia que o estudioso e nós, afetados pelo mundo concreto, temos.)
Fonte: JusBrasil/Dr Edgard Monteiro
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