I – CASAMENTO NULO E ANULÁVEL
O Casamento é um vínculo estabelecido entre duas pessoas, mediante o reconhecimento governamental, cultural, religioso ou social e que pressupõe uma relação interpessoal de intimidade, cuja representação arquetípica é a coabitação, sendo marcado por um ato solene.
O casamento é um contrato de direito de família que tem por fim promover a união de duas pessoas de conformidade com a lei, a fim de regular suas relações sexuais, a prole comum e a mútua assistência entre eles.
Planiol e Ripert (Traité Pratique de Droit Civil Françãis, título II, nº 69) atribuíram ao casamento o caráter de instituição.
Como orientou Silvio Rodrigues (Direito Civil, volume VI, 6ª edição, pág. 76) quando um casamento se realiza com infração de impedimento imposto pela ordem pública, por ameaçar diretamente a estrutura da sociedade ou ferir princípios básicos em que ela se assenta, é a própria sociedade que reage violentamente, fulminando de nulidade o casamento que a agrava.
Há outra situação em que a infração se revela mais branda, como se apresenta de natureza diversa, como ainda alertou Silvio Rodrigues.
Há casamento nulo e casamento anulável.
Há casamento nulo quando pelo menos um, nos termos da lei (artigo 1.521 do Código Civil), dos cônjuges estiver impedido de casar.
De acordo com o artigo 1548 do Código Civil de 2002 o casamento será declarado nulo:
Art. 1.548. É nulo o casamento contraído:
I - pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
(Revogado)
I - (Revogado) ; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
II - por infringência de impedimento.
Os casos de anulabilidade estão no artigo 1550 do Código Civil:
Art. 1.550. É anulável o casamento: (Vide Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
I - de quem não completou a idade mínima para casar;
II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;
III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558 ;
IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;
V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;
VI - por incompetência da autoridade celebrante.
§ 1 o . Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.
§ 2 o A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
Ainda Silvio Rodrigues, estudando a diferença entre casamento nulo e anulável, sob a ótica do Código Civil de 1916, disse-nos que enquanto o casamento nulo não gera, ordinariamente, qualquer efeito, o casamento anulável gera numerosos efeitos.
Ainda sob a égide do Código Civil revogado, tinha-se que, no casamento nulo, a nulidade pode ser alegada por qualquer interessado ou pelo Ministério Público.
O casamento nulo está previsto no artigo 1.548 do Código Civil e ocorre quando o casamento é celebrado por um cônjuge que tenha impedimento legal. As causa de impedimento ao casamento estão descritas no artigo 1.521 do mencionado código.
No casamento anulável a hipótese do vício que contamina o ato do casamento não é tão grave e pode ser sanado dentro dos prazos previstos na lei, tornando o casamento válido.
O casamento declarado nulo não produz qualquer efeito, como já se dizia no Código Civil de 1916, no artigo 207. Isso porque o casamento nulo fere a ordem pública.
A sentença declaratória que reconhece a nulidade do casamento tem efeito retroativo, extinguindo qualquer relação jurídica entre os cônjuges.
Os casos de anulação, como já dito, são: ausência de idade mínima; ausência de autorização para casamento de menor; vicio de vontade; incapacidade para manifestar consentimento; realizado por procuração que foi revogada; e, incompetência da autoridade celebrante.
II – CASAMENTO PUTATIVO
O casamento putativo pode ser entendido como o casamento “imaginado válido”. Conceitua-se mais formalmente como o matrimônio que, embora padeça de algum vício capaz de torná-lo nulo ou anulável, produz efeitos legais, em respeito à boa-fé de um ou de ambos os consortes.
Putativo significa reputado ser o que não é, imaginário, fictício.
As raízes do casamento putativo estão no século XII, devendo-se à igreja católica essa útil e inestimável descoberta de técnica jurídica.
As raízes vão até as Setentiae de Pedro Lombardo. Na Summa ad Decretum de Hugúcio, já aparecia a teoria do casamento putativo; sem o nome, que remonta apenas a Raimundo de Penaforte e ao Hostiense, mas ainda em sentido não técnico. Na Summa de matrimonio do Cardeal de Luca a construção chegou as suas linhas mais precisas: idem operatur matrimoniun putativum ac verum.
Por sua vez, Coelho da Rocha (Instituições de direito civi português, tomo I, § 225) via suas origens no direito romano, na mesma linha de Lafayette Rodrigues Pereira.
O direito canônico havia induzido considerável número de impedimentos matrimoniais. Como muitas pessoas, de boa-fé, por ignorância ou erro, infringiam a tais impedimentos, fez-se necessário atentar o rigor da pena de nulidade, ao menos em benefício dos contraentes de boa-fé e da prole. Daí ter surgido a concepção de casamento.
Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, volume VIII, § 824, 2) observou que o casamento putativo nasceu de um problema de consciência, pois não se compreenderia que alguém se dispusesse a um casamento e, sem qualquer culpa sua, não o obtivesse, tendo acreditado em sua obtenção.
Para Maria Helena Diniz ( Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 1994, pág. 224) a teoria das nulidades matrimoniais possui um princípio básico de que nulo ou anulável o casamento produz efeitos civis válidos em relação aos consortes e a prole, se um deles ou ambos o contraírem de boa-fé.
Como se fala em boa-fé estamos diante do chamado casamento putativo, no qual a boa-fé suprime o impedimento, fazendo desaparecer a causa de sua nulidade por ignorá-la. Essa ignorância pode ocorrer por erro de fato ou de direito. O erro de fato consiste na ignorância de evento que impede a validade do ato nupcial. O erro de direito advém de ignorância da lei que obsta a validade de enlace matrimonial. Por exemplo: sabe-se que o STF declarou a putatividade de casamento contraído entre genro e sogra, admitindo a alegação de erro de direito (RF, 102:155). Para Clóvis Beviláqua, o erro de direito é indesculpável, uma vez que ninguém é dado ignorar a lei. No passado, o Supremo Tribunal Federal admitiu o erro de direito no casamento putativo, em 1943 (Revista Forense, 102/155), em um caso envolvendo o casamento entre genro e sogra como já registrado.
O casamento putativo é o casamento reputado ser o que não é. A lei, através de uma ficção e tendo em vista a boa-fé dos contraentes ou de um deles, vai atribuir ao casamento anulável, e mesmo nulo, os efeitos de casamento válido até a data da sentença que o invalidou.
A matéria hoje é regida pelos artigos 1561 a 1564 do Código Civil de 2002.
Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.
§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
§ 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.
Art. 1.562. Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável, poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos, que será concedida pelo juiz com a possível brevidade.
Art. 1.563. A sentença que decretar a nulidade do casamento retroagirá à data da sua celebração, sem prejudicar a aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a resultante de sentença transitada em julgado.
No passado, é certo, o casamento putativo reclamava pressupostos mais rigorosos. O direito canônico exigia, além desse requisito, a celebração in facie ecclesiae e a publicidade de editais.
O casamento putativo foi acolhido pelo direito luso-brasileiro. Corrêa Telles (Digesto Português, Liv. II, art. 332) disse:
“Quando o matrimônio putativo foi contraído em boa fé por ambos os cônjuges, opera todos os efeitos civis se fora válido até o ato de ser julgado nulo”.
Mas há problemas com relação ao casamento putativo.
Qual o momento em que a boa-fé deve reinar? Seria no momento do casamento. De modo que que se mais tarde os cônjuges vêm a ter ciência de um impedimento dirimente, capaz de conduzir à nulidade de seu matrimônio isso não impede a declaração de sua putabidade, como já dizia Cunha Gonçalves (Princípios de Direitos, volume III, pág. 1193, n. 477).
Por sua vez, em opinião contestada, Coelho da Rocha (obra citada, tomo I, § 213) entendia deverem os cônjuges separar-se, logo que tivessem conhecimento do impedimento.
'Discute-se, porém, se a boa-fé deve existir, somente, na data da celebração do casamento ou durante toda a vida conjugal. Mas a primeira opinião é mais acertada, pois o art 30 do Decreeto português de 1910 só exige que o casamento tenha sido contraído de boa-fe e não que a boa-fé subsista até a data da anulação".
Na lição de Lafayette Rodrigues Pereira (Direitos de Família, parágrafo 33) a validade do casamento putativo é, como no casamento verdadeiro, indivisível, como revelou Silvio Rodrigues (obra citada, pág. 110).
No passado, sob a égide do Código Civil de 1916, em sendo assim o cônjuge de má-fé deve alimentos à família e ao outro cônjuge; perde o poder familiar sobre os filhos, que passa a ser exercido de forma exclusiva pelo cônjuge de boa-fé; não sucede ao filho embora este, naturalmente o suceda.
No caso de apenas um dos cônjuges estar de boa-fé nenhum efeito do matrimônio beneficia o outro, enquanto que todos os ônus dele decorrentes o sobrecarregam. O cônjuge de boa-fé pode não invocar a existência do casamento para se beneficiar dos efeitos civis dele derivados.
Disse Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, volume V, 24ª edição, pág. 281) que “essa boa-fé se presume até prova em contrário, competindo o ônus da prova a quem o negar, persistindo até o momento em que qualquer dos consortes descobre que as núpcias não poderiam ter sido convoladas, promovendo a decretação de sua nulidade absoluta ou relativa, e como medida preliminar a separação de corpos.”
É a lição de Orlando Gomes: O Projeto da Lei nº 276/2007, ao acrescentar o parágrafo terceiro ao art. 1561, pretende estender os efeitos da putatividade ao cônjuge coato, pois: “Como os efeitos da putatividade só aproveitam ao cônjuge de boa-fé, entendendo-se como tal o que ignorava o vício ou o efeito que originou a invalidade do casamento, o cônjuge coato, a rigor, não estaria abrangido pelo dispositivo, pois, logicamente, como vítima que foi da ‘vis compulsiva’, não pode alegar que não conhecia o vício. Para que a questão não fique dependendo de interpretação (ora construtiva, ora restritiva), é de toda conveniência que o cônjuge coato seja equiparado, pela lei, ao cônjuge do boa-fé”. Isso ocorre no direito alemão (BGB, artigo 1.741), no italiano ( CC, artigo 128, alínea 1), no português ( CC, artigo 1.648, 1).
Os efeitos pessoais dizem respeito como ensinou Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, pág. 282 a 283):
a) Aos cônjuges, pois, após a sentença anulatória, ainda que putativo o casamento, cessam os deveres de fidelidade, de coabitação, de mútua assistência;
b) Aos filhos, mesmo “incestuosos” ou “adulterinos”, pois serão considerados matrimoniais, outorgando-lhes direitos aos apelidos de família, ainda que nenhum dos cônjuges esteja de boa-fé ao contrair o casamento, segundo se lê do disposto no artigo 1561, § 2º, do Código Civil de 2002, que consagrou o parágrafo único, do artigo 14, da Lei nº 6.515/77 (lei do divórcio), que alterou a teoria do casamento putativo, modificando o artigo 221 e parágrafo único do Código Civil de 1916, que apenas possibilitava a legitimidade da prole se um dos consortes se achasse de boa-fé. Entenda-se que a filiação materna ou paterna pode resultar de casamento nulo, mesmo sem as condições de putativo ( CC, art. 1617) como ensinou Maria Helena Diniz. Na verdade, o cônjuge de boa-fé tem sobre eles os direitos inerentes à paternidade ou maternidade, ou seja, ao poder familiar. Atente-se que, no caso de invalidade do casamento, havendo filhos comuns ( CC, artigo 1587), a guarda deve ser atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la ( CC, artigo 1583, parágrafo segundo). Mas se não puderem ficar com nenhum desses genitores o juiz definirá a guarda a pessoa que revelar condições para tal, considerando o grau de parentesco e afeição ( CC, artigo 1584, parágrafo quinto), sem desconsiderar-se o artigo 1586 do Código Civil, quando o juiz, à luz dos interesses do menor, poderá regular a guarda de modo outro a atender os interesses do menor.
Os efeitos patrimoniais do casamento putativo atingem, como ainda ensinou Maria Helena Diniz (obra citada, pág. 283):
a) Os consortes, uma vez que com a declaração de putatividade do enlace matrimonial, se o regime for o da comunhão, os bens serão equitativamente partilhados entre ambos, se de boa-fé , como se tivesse morte de um deles. Se apenas um for o culpado, perderá para o outro as vantagens econômicas, não podendo pretender meação no patrimônio com que o cônjuge de boa-fé entrou para a comunhão ( CC, artigo 1584, I). O inocente poderá pleitear a meação correspondente aos bens que o culpado, trouxe para o casal. O culpado terá que fornecer alimentos à família e ao inocente se este carecer deles (RT, 318:590; RTJ, 89:495), cessando essa obrigação alimentar em relação ao consorte de boa-fé, com a sentença anulatória, pois a partir de aí não mais existe a condição de cônjuge;
b) Entre os efeitos econômicos do casamento putativo está o direito do casal, se de boa-fé, à herança dos filhos (RT 427: 230). Se o casal não tiver filhos, nem ascendentes vivos e um dos cônjuges falece antes da sentença, o supérstite, se de boa-fé herda e pode ser nomeado inventariante;
c) a prole, perante a qual perduram os efeitos sucessórios que se estendem em relação aos parentes de seus país, como já entendiam Colin e Capitant (Traité Élementaire de Droit Civil Français, 1924, volume I, páginas 185-2;
d) Terceiros, mesmo sendo putativo o casamento, têm consolidados direitos que se incorporam ao patrimônio deles, nos pressupostos de validade do enlace matrimonial.
III – O ENTENDIMENTO DO STJ QUANTO AO CASAMENTO PUTATIVO
Na matéria já entendeu o STJ ( REsp 1754008 / RJ, DJe 01/03/2019):
“Uma vez não demonstrada a boa-fé da concubina de forma irrefutável, não se revela cabida (nem oportuna) a discussão sobre a aplicação analógica da norma do casamento putativo à espécie.”
É certo que disse a ministra Maria Isabel Gallotti:
"Tenho reservas à tese de que seja possível existir uma união estável putativa. Penso que esse instituto existe para casamentos, os quais são atos formais. Nos casamentos, ambos os cônjuges sabem que estão casados e, por alguma circunstância desconhecida de ambos ou de algum deles, o ato formal não teve validade. Por isso, a figura do casamento putativo.
O escopo que leva a proteger a boa-fé de quem praticou ato jurídico formal, sem validade por motivo desconhecido do contraente, não pode ser meramente transportado para o âmbito da união estável".
Por outro lado, tem-se o REsp 789293 / RJ, DJ 20/03/2006 p. 271 REVFOR vol. 386 p. 339:
“União estável. Reconhecimento de duas uniões concomitantes.
Equiparação ao casamento putativo. Lei nº 9.728/96.
1. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que se haja desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não há como configurar união estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento putativo.
2. Recurso especial conhecido e provido.”
Lembro, outrossim, o REsp 69108 / PR, DJ 27/03/2000 p. 92, RSTJ vol. 130 p. 225:
“Casamento putativo. Boa-fé. Direito a alimentos. Reclamação da mulher.
1. Ao cônjuge de boa-fé aproveitam os efeitos civis do casamento, embora anulável ou mesmo nulo (Cód. Civil, art. 221, parágrafo único).
2. A mulher que reclama alimentos a eles tem direito mas até à data da sentença (Cód. Civil, art. 221, parte final). Anulado ou declarado nulo o casamento, desaparece a condição de cônjuges.
3. Direito a alimentos" até ao dia da sentença anulatória ".
4. Recurso especial conhecido pelas alíneas a e c e provido.’
Fonte:
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