Em uma decisão emblemática de 2016, no REsp n. 1.331.948/SP[1] o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu um precedente importante para a proteção dos consumidores contra a venda casada, prática abusiva e expressamente proibida pelo Código de Defesa do Consumidor ( CDC).
Este caso, ainda relevante em 2023, envolveu uma empresa que administrava cinemas e proibia a entrada de consumidores em salas com produtos alimentícios adquiridos fora de suas instalações.
Será que o STJ considerou possível essa proibição?
Os argumentos
Iniciada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, a ação civil pública questionou essa prática, pois seria uma espécie de venda casada, proibida expressamente pelo art. 39, I do CDC [2].
Para afastar a alegação de venda casada, a empresa de cinemas, no seu recurso especial, argumentou que não forçava os consumidores a comprar alimentos em sua bomboniere para assistir aos filmes. Segundo a empresa, uma verdadeira venda casada exigiria uma condição obrigatória que ligasse a compra de alimentos ao ato de comprar ingressos.
O entendimento do STJ
Na decisão, o STJ reconheceu a conduta da empresa como venda casada, considerando-a uma prática abusiva. Assim, a proibição de entrar nas salas com produtos alimentícios adquiridos fora das instalações do cinema não foi admitida.
O STJ identificou que a empresa de cinemas restringia a entrada de consumidores com produtos alimentícios não comprados em suas lanchonetes, violando o artigo 39, inciso I, do CDC, que proíbe condicionar o fornecimento de um produto ou serviço a outro. Este ato foi interpretado como uma limitação indireta à liberdade de escolha do consumidor, contrariando o artigo 6º, II, do CDC [3].
Embora a empresa não obrigasse explicitamente os consumidores a comprar seus alimentos para assistir a um filme, ao proibir a entrada com alimentos externos, ela indiretamente os compeliria a comprar na bomboniere do cinema se desejassem consumir durante a exibição. Isso foi visto como uma forma indireta de venda casada, uma venda casada por via oblíqua. Nesses casos, o consumidor não é forçado a adquirir um produto em conjunto com outro produto/serviço, mas sua liberdade de escolha é tolhida, sendo ele obrigado a consumir o produto ali fornecido ou nenhum outro. No caso concreto, ou se consumia os alimentos da bomboniere do cinema ou não se consumia nada durante a exibição do filme.
O Ministro Ricardo Villas Bôas, relator do caso, afirmou:
“Assim, ao compelir o consumidor a comprar dentro do próprio cinema todo e qualquer produto alimentício, a administradora dissimula uma venda casada e, sem dúvida alguma, limita a liberdade de escolha do consumidor (art. 6º, II, do CDC), o que revela prática abusiva: não obriga o consumidor a adquirir o produto, porém impede que o faça em outro estabelecimento. Portanto, de forma indireta, veda o ingresso dos consumidores em suas salas de exibição de filmes cinematográficos com produtos alimentícios que não os fornecidos pela recorrente.”
Embora não vinculante, a decisao do STJ de 2016 continua a ser significativa na orientação de decisões judiciais em casos semelhantes, fortalecendo o entendimento contra a venda casada. Esta decisão seguiu um precedente anterior, o REsp n. 744.602/RJ[4], de relatoria do Min. Luiz Fux, solidificando a interpretação do tribunal sobre o alcance da vedação dessa prática abusiva.
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