Por diversas vezes é possível observar casos, processos ou julgamentos inteiros sendo refeitos ou descartados devido a um problema gerado por uma prova ou procedimento que não tiveram o devido cuidado de seguir os parâmetros legais.
Quando está se falando em Direito Penal é importante ter sempre em mente que este ramo jurídico está a tratar de um dos direitos mais sensíveis do indivíduo, que é a sua Liberdade. Dessa forma o ordenamento jurídico brasileiro deve presar sempre, como menciona em diversos momentos na Constituição Federal, pelo devido processo legal, ou seja, para que o processo seja feito de forma eficiente e dentro dos parâmetros legais.
Esse fato é importantíssimo, visto que o Direito Penal é dotado de uma rigidez legal, diferentemente de outras áreas que possuem mais flexibilidade para a modificação de normas jurídicas para que melhor se adequem ao caso concreto. Um exemplo dessa flexibilização é o que ocorre no Direito Civil com o chamado negócio jurídico processual, onde as partes podem modificar, ou até mesmo afastar, normas e procedimentos de modo a beneficiar a convenção feita entre as partes.
Essa "negociação" não ocorre na seara Penal, visto que, na grande maioria dos casos, são discutidos e analisados direitos fundamentais ao indivíduo e/ou punições severas deste com relação à coletividade. Isso porque o Direito Penal não funciona apenas como um mecanismo de punição somente, mas, também, como um "educador social".
Essa rigidez é aplicada, assim, no contexto das provas, que são elementos essenciais do processo para que se possa alcançar o que se chama a "verdade relativa" (a verdade alcançada através do processo), fazendo com que o julgador tenha seu convencimento e possa proceder com o julgamento mais justo possível.
A partir desse breve contexto, tem-se, no estudo do Direito Penal, a análise das provas que não são produzidas respeitando o procedimento correto e como elas interagem com o procedimento no geral (artigo 157 do Código de Processo Penal).
Provas ilícitas e provas ilegítimas
Dentre as provas que não se encaixam nos padrões de validade aceitos para integrar os procedimentos judiciais e extrajudiciais, é possível separá-las em dois grupos gerais: provas ilícitas e ilegítimas.
A prova ilícita (também conhecida como materialmente ilícita) é quele tipo de prova em que a sua própria obtenção ou produção ocorre de modo ilícito, ou seja, a contrariar os ditames legais. Um exemplo disso é quando um indivíduo que, para denunciar um crime de outro, invade a casa deste para furtar arquivos pessoais e entregá-los à polícia. Apesar de nos arquivos conter evidências de um possível crime, esses documentos não podem ser usados em um procedimento penal, visto que foram obtidos por meio de um crime, já que uma pessoa teve que invadir a casa de outra e furtar os documentos.
Já a prova ilegítima (também chamada de formalmente ilícita) é aquele tipo de prova que até é permitida pela lei, porém, ao ser produzida a forma que foi utilizada não é permitida. A exemplo disso tem-se a confissão do acusado que é feita mediante tortura das autoridades policiais. É possível observar que existe o meio de prova "confissão" na lei, porém, o modo como ela foi feita foi de forma ilícita, já que o nosso ordenamento jurídico proíbe a tortura.
Diante disso é possível observar que a prova pode até existir na lei ou possuir informações evidentemente incriminadoras, porém, sendo produzidas ou obtidas de modo ilícito, elas não podem ser admitidas em procedimento judicial ou, até mesmo, utilizadas na condenação de um indivíduo.
Assim, tendo-se mais um exemplo, se houver uma prova em vídeo, demonstrando claramente que um indivíduo matou outro (supondo que ele matou outro indivíduo, virou para a câmera e deu tchauzinho), porém, para conseguir essa prova alguém teve que espancar o dono de uma empresa para que ele desse acesso às imagens. Ela não poderia ser utilizada em um procedimento criminal, visto que, para conseguir tal prova foi necessário cometer um outro crime.
Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada
Ainda sobre a questão da prova ilícita. Há casos em que, apesar de a prova ter sido obtida ou produzida de forma ilícita ou ilegítima, tal meio probatório pode ter gerado outras provas ou ter, até mesmo gerado outras movimentações processuais (prisão, por exemplo), porém, a sua ilicitude só fora descoberta tempos depois.
Apesar de ser bastante pontual essa análise, não é incomum encontrar casos em que tempos depois de determinada prova surtir efeitos no processo, ela for analisada ou reanalisada e ser considerada ilícita.
E então, o que vai acontecer nesses casos?
Nesses casos aplica-se a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, que possui como base, o texto do Artigo 157, § 1º, do Código de Processo Penal.
Segundo tal dispositivo, tem-se que:
§ 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
A ideia tratada aqui é que a prova ilícita ou ilegítima, originalmente, não deveria fazer parte do processo como um todo, visto que foi produzida ou obtida de forma ilegal. Dessa forma, as provas que, posteriormente, surgirem devido a essa prova ilícita, também devem ser considerada ilícitas.
Isso ocorre por um simples fato lógico, a prova derivada não estaria no procedimento se a prova ilícita não tivesse dado caminho para sua obtenção.
Um exemplo disso pode ser visto em situações de escuta telefônica. Se, supostamente, for implantada uma escuta telefônica ilícita com fins de monitorar um suspeito de cometimento de algum crime de cunho financeiro e, através dessa escuta, foi descoberto um documento específico que comprove transações ilícitas do indivíduo acusado. Tal documento, se apreendido pelas autoridades policiais, não pode ser implementado para comprovação de atividades criminais, pois o documento, por ter sido descoberto através do monitoramento eletrônico (prova ilícita), também adquire a característica de prova ilícita.
Diante disso, as provas derivadas de provas ilícitas devem ser consideradas como se ilícitas fossem.
Exceção à ilicitude das provas
Assim como qualquer princípio ou legislação em nosso ordenamento jurídico, nenhuma norma brasileira deve ser vista como sendo um direcionamento absoluto.
Isso significa que há casos em que as provas ilícitas ou ilegítimas podem ser utilizadas como se fossem válidas? Exatamente!
Há casos em que, se atentando ao princípio da proporcionalidade, é necessário corrigir algum tipo de erro do próprio Poder Judiciário que, por não cumprir sua função de modo correto acaba que por incriminar um réu inocente.
Em casos como esse, há a possibilidade, em nosso ordenamento, de se utilizar de provas obtidas ou produzidas por meios ilícitos/ilegítimos para que se possa demonstrar a inocência do acusado e impedir que o Estado o puna por algo que ele não fez.
Isso ocorre, pois se entende, além do princípio da proporcionalidade, o acusado estaria agindo sob o aspecto da excludente de ilicitude da legítima defesa, visto que para impedir que seja aplicado a ele uma punição injusta, acaba que por cometer um delito mais leve para impedir que uma punição mais grave o atinja.
Retomando-se o exemplo descrito acima, agora sob o aspecto do acusado que invade uma casa e furta documentos que comprovem que ele não cometeu um determinado crime, esse documento pode ser completamente aceito pelo processo penal de modo a servir como prova de sua inocência.
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