I - Introdução
A elaboração de termo de ocorrência de Irregularidade (TOI) de forma unilateral se tornou uma prática comum nos grandes centros brasileiros, e tem caráter meramente arrecadatório.
II - Toi Unilateral
Pra o termo ser legítimo, este deve atender a requisitos mínimos, como ser realizado na presença do consumidor ou de responsável por este, como síndicos e zeladores, ser dado amplo acesso ao consumidor sobre o que foi constatado, para possibilitar contraditório e ampla defesa.
A concessionária também é obrigada a informar ao consumidor que este pode optar por ter acesso a perícia independente.
Tais obrigações são previstas na resolução nº 1.000 da Aneel, que por ser o órgão regulador de energia elétrica dispõe de regras que devem ser observadas pelo setor público e privado.
Esta resolução foi promulgada no final do ano de 2021, e reúne em um só documento a maioria das resoluções da Aneel anteriores, e dentre as matérias legisladas por esta, contempla sobre o termo de ocorrência e inspeção, nome oficial do TOI, e sobre a interrupção dos serviços de energia.
Em seu art. 591, a resolução dispõe que o termo de ocorrência de irregularidade deve ser feito na frente do consumidor ou de responsável e informada a este possibilidade de requerer perícia junto ao INMETRO ou a outro órgão delegado.
"Art. 591. Ao emitir o TOI, a distribuidora deve:
I - entregar cópia legível ao consumidor ou àquele que acompanhar a inspeção, mediante recibo com assinatura do consumidor ou do acompanhante; e
II - informar:
a) a possibilidade de solicitação de verificação ou de perícia metrológica junto ao INMETRO ou ao órgão metrológico delegado."
Em seu parágrafo primeiro do art. 591, é permitido que a assinatura do consumidor se dê de forma eletrônica, desde que o consumidor tenha acompanhado a inspeção.
Se observadas as disposições acima e mesmo assim o consumidor se recusar a receber o termo, a empresa concessionária deverá armazenar provas dessa recusa, podendo inclusive se utilizar de testemunhas.
Portanto, a mera disposição no termo que o consumidor se recusou a receber o TOI, que tentou impedir a realização do mesmo, ou que se recusou a ter direito a perícia, são insuficientes para se provar o alegado, pois são consideradas provas unilaterais.
Se tais disposições não forem cumpridas, a cobrança do TOI é considerada nula e ilegal, pois as supostas práticas de irregularidades foram "sujas" pelas condutas contrárias a lei, o que impossibilita o uso das provas, por mais que o consumidor realmente estivesse em irregularidade.
Provas unilaterais são àquelas que a parte contrária não pôde ter acesso, não coube direito de defesa, ou que este foi mitigado por não ter acesso as fundamentações e as provas, e que não acompanhou os atos, quando essencial. Elas, em regra são consideradas nulas de pleno direito.
Se a energia do consumidor for cortada por um TOI unilateral, este terá direito de ser indenizado pelos danos morais causados pela empresa, mais danos materiais.
Se tal documento for elaborado de tal forma, será considerado nulo de pleno direito, e a dívida não poderá ser cobrada, pois o negócio jurídico nulo não se convalesce no decurso do tempo, conforme art. 169 do CC.
"Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo."
III - Entendimento do STJ
Conforme entendimento proferido por meio do tema repetitivo 699 do STJ, o mesmo veio a pacificar o tema em relação a suspensão do serviço de energia em caso de termo de ocorrência de irregularidade.
Conforme o tribunal, o corte de energia pelo não pagamento do TOI pode ocorrer sem nenhum problema, desde que seguidas as resoluções da Aneel e dado o devido processo legal, e que o consumidor seja notificado por escrito e com comprovação desta.
Tal interrupção do serviço somente poderá ser realizado em relação ao período retroativo a 90 (noventa) dias antes da constatação da fraude, e contanto que a empresa ré corte a energia no prazo máximo dos mesmo 90 (noventa) dias após após o vencimento do débito. Após tal período a luz não poderá ser cortada pelo TOI, embora a cobrança deste permaneça válida.
"Na hipótese de débito estrito de recuperação de consumo efetivo por fraude no aparelho medidor atribuída ao consumidor, desde que apurado em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é possível o corte administrativo do fornecimento do serviço de energia elétrica, mediante prévio aviso ao consumidor, pelo inadimplemento do consumo recuperado correspondente ao período de 90 (noventa) dias anterior à constatação da fraude, contanto que executado o corte em até 90 (noventa) dias após o vencimento do débito, sem prejuízo do direito de a concessionária utilizar os meios judiciais ordinários de cobrança da dívida, inclusive antecedente aos mencionados 90 (noventa) dias de retroação."
IV - A continuidade do serviço público
De acordo com este princípio constitucional implícito, o serviço público, prestado diretamente pelo estado ou por concessionárias não pode ser interrompido sem justo motivo e sem comunicação prévia a seus consumidores.
A energia elétrica, por ser essencial em uma sociedade globalizada e dependente de componentes eletrônicos para sua subsistência, como geladeiras, é considerada um serviço essencial, e deve respeitar este princípio.
De acordo com a resolução 1.000 da Aneel, o corte de energia por dívidas somente pode ocorrer por escrito e de forma que fique comprovada a entrega, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias do inadimplemento, conforma cláusula sexta, item 6.3.
"6.3. A notificação da suspensão deve ser escrita, específica e com entrega comprovada ou, alternativamente, impressa em destaque na fatura, com antecedência mínima de:
- 3 dias úteis, por razões de ordem técnica ou de segurança; ou
- 15 (quinze) dias, nos casos de inadimplemento."
Da leitura do texto legal, tira-se a interpretação de que somente pode ser suspenso o fornecimento de energia de contas de luz atrasadas a 15 dias ou mais, fora o prazo dado para que o consumidor quite a dívida, pois a continuidade do serviço é a regra.
De acordo com o item 6.6 da cláusula sexta, o caso o consumidor tenha a luz cortada indevidamente, a concessionária deverá reestabelecer o serviço no prazo máximo de 04 (quatro) horas.
"6.6. O CONSUMIDOR deve ter a energia elétrica religada, a partir da constatação da DISTRIBUIDORA ou da solicitação do CONSUMIDOR, nos seguintes prazos:
- até 4 (quatro) horas, em caso de suspensão indevida, sem custo;
- até 24 (vinte e quatro) horas, para a área urbana;
- até 48 (quarenta e oito) horas, para a área rural."
V - Da cobrança indevida
O consumidor que pagar tal cobrança indevida com medo de ter sua energia cortada tem direito de ser ressarcido em dobro pelo valor cobrado, conforme disposição do art. 42 do CDC.
De acordo com o mesmo artigo, os fornecedores de produtos e serviços não podem se utilizar de meios vexatórios ou constrangedores para cobrar uma dívida, mesmo que esta de fato exista, e no caso do corte ilegal de luz por um TOI ilegal, este acaba ofendendo a dignidade humana do cliente, que acaba sendo visto por terceiros alheios a situação como criminoso ou "caloteiro".
"Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável."
Fora o artigo citado acima, todo aquele que receber dinheiro ou vantagens indevidamente fica obrigado a devolvê-lo, podendo fazer em sua defesa prova de sua validade, e aquele que o pagou indevidamente deve provar que o fez por erro.
"Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro."
Porém, se o consumidor pagou o TOI ilegal para não ter sua luz cortada, ou para ter o serviço reestabelecido, já resta comprovada que esta ocorreu ilegalmente, o que serve como fundamento legal para requerer seus direitos judicialmente.
VI - Conclusão
Portanto, caso o consumidor esteja com sendo cobrado por TOI unilateral ou abusivo, e que tenha injusto receio de ter sua energia cortada por tal, procure um advogado para saber mais acerca dos seus direitos.
Autor: Leonardo Antônio Soares Barbosa - OAB/RJ 233-437
E-mail: leonardosoares.advogado@outlook.com
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